quinta-feira, 27 de julho de 2017

Daniel Azulay - Entrevista - 1978

Daniel Azulay e A Turma do Lambe-Lambe

Por Marcelo Correia Lima – especial para a ECAB - 1978

Nome consagrado na caricatura nacional, o carioca de Ipanema Daniel Azulay faz de tudo na profissão, versátil que é, desde jornal a televisão. Já foi até advogado. Fiel à gravata que sempre usa, em especial quando posa para a imprensa, Azulay às vezes transpira um certo ar surrealista. No fundo, revela-se um terrível gozador de profundo senso crítico, que se esconde por trás de um largo sorriso e de respostas inteligentes. 

Daniel Azulay, cartunista maior, fala aqui um pouco de si e sua obra.

Ilustração para o Correio da Manhã - 1969

 Parece piada, mas a carreira do cartunista carioca Daniel Azulay, 31 anos, começou no fórum. Da beca — vendo que não tinha muito a ver com o direito — para a prancheta foi um pulo, que demorou dois anos para dar. Mas antes de se formar ele já desenhava. Na verdade, os primeiros traços foram feitos em O Globo quando tinha 15 anos, onde publicou na seção de palavras cruzadas o seu primeiro e único desenho naquele jornal.

— Como estava engatinhando, eu só queria mesmo era ver o meu trabalho publicado, diz Azulay. Mas foi somente três anos depois, isto é, aos 18 anos de idade, que ele começou a fazer os primeiros trabalhos como profissional. Isto se deu no Jornal dos Sports — do saudoso Mário Filho.

A partir dessa primeira experiência na imprensa como profissional é que Daniel Azulay se consagraria como cartunista. Em 1967, do JS foi para O Sol onde brilhou na companhia de muita gente hoje famosa, que então se lançava naquele veículo como Juarez Machado, o falecido Vagn, Henfil, Ziraldo etc.

— Aliás, foi nessa época que nós fundamos o suplemento de humor de O Sol e abrasileiramos o palavra “cartoon”, “cartoonist”, cartunista, para a qual ainda não tinha uma tradução definida no vocabulário português, lembra Daniel. Fascinado pelo cartum humorístico e as histórias em quadrinho, ele põe logo seu poder criativo (e crítico) para funcionar e surge o personagem precursor de seus desenhos — o chamado Capitão Sol. E um tipo de nome Cipó, que ele considera um dos seus personagens mais conhecidos.

Ambos nasceram no JS e no Correio da Manhã, na sua melhor fase, e marcaram época. O Capitão Sol, por exemplo, certa vez quase o comprometeu com a censura pois retratava a figura de um presidente militar de então — um doublê de anarquista e bastardo, com forte vocação para superherói.

Capitão Cipó no livro Shazam! de Álvaro Moya - Editora Perspectiva - 1970

Por outro lado, Cipó era uma figura curiosíssima: de comportamento tropicalista, sofria de misoginia (fobia às mulheres) e andava quase sempre envolto num cinto onde havia de tudo, desde esparadrapos até pílulas anticoncepcionais. A crítica aplaudiu.

Daniel Azulay é um dos mais versáteis cartunistas brasileiros. Já mexeu praticamente com todas as formas de desenho. Dos jornais, Daniel Azulay passa para as revistas, na Rio Gráfica, cola bora em Querida e Garotas através do personagem satírico A Dama de Filó, com texto seu também. O Cruzeiro, no seu período áureo vem logo a seguir, em 1969, para onde foi levado pelo acadêmico Herberto Sales, na revista do “velho capitão” (Assis Chateaubriand), ilustra duas páginas à quatro mãos em parceria com Leon Eliachar. Nesse estágio fez charge política, caricatura e cartum. Em 1971, muda-se para a Bloch Editores para fazer capa de livro, ilustração e horóscopo, nas revistas JÓIA e Manchete.

Ilustração para a revista Mais, maio de 1974

Como tudo na vida tem seu momento de reflexão, Daniel Azulay dá uma parada para pensar. Associa-se com seu talento ao comércio e monta uma indústria de estamparia, permanecendo dois anos no negócio. Abre uma loja onde faz mil loucuras em silk screen, folhetos turísticos, mapas da cidade, selos e marcas diversas. Depois edita o livro “Viagem à Jerusalém”, com quarenta ilustrações em offset, que, segundo ele próprio, foi uma de suas mais proveitosas experiências no campo das artes gráficas.

Um pouco cansado da cena braileira e motivado pela viagem que fizera antes a Israel, ele resolve um dia arrumar as malas e sair em busca de novos horizontes. Destino: América. É Daniel quem fala de sua experiência e sobre o
que viu nos Estados Unidos.

— Inicialmente, como eu tinha um passe livre, percorri durante dois meses os estúdios de Walt Disney, na Flórida e na Califórnia. Lá, pude constatar em todos os departamentos aos quais tive acesso, que tudo é feito no mais alto nível profissional. Embora tenha mantido contato com os principais artistas do quartel general da Disney Productions — continua Daniel —, tais como os criadores do Fusca aloprado, Recruta Zero, Pinduca etc, ninguém me ofereceu a menor chance sequer. Motivo: “estrangeiro não entra”.

Depois de haver feito sucessivas tentativas entre abrir e fechar portas, em todas havia a proibição imposta pelos sindicatos, sobretudo a National Cartoonists Society, e seus agentes autorizados, os chamados (abomináveis)
“representantes”. Terríveis esses caras, afirma Azulay, eles barram mesmo e não deixam entrar de maneira nenhuma. Não há jeitinho que resolva, são pagos para defender a prata da casa. A única chance quem me deu foi Bob Kane, desenhista e autor de Batman, que me apresentou à revista CRAZY, de Nova Iorque, concluiu Azulay. Assim como agem os americanos, ele acha que o mesmo deveria ser feito no Brasil em defesa do artista nacional.

Para Daniel Azulay, a censura no Brasil é uma incoerência administrativa; enquanto fecha os olhos para certas coisas ao mesmo tempo abre para outras. Apesar de não ter nenhuma preferência especial pelos personagens que cria, pois cada um tem a devida importância, na sua opinião, Mafalda é o maior personagem do cartun internacional. E foi mais ou menos dentro desse pensamento que nasceu a sua Gilda — um tipo que reflete o comportamento das pessoas de hoje. Daniel Azulay argumenta contra a censura com muito trabalho e pouca crítica, principalmente quando se vive em
função do momento político. Ele é ainda autor do boneco “manequinho” que foi publicado muito tempo no Correio da Manhã. Apesar das limitações impostas a artistas brasileiros no exterior, ele já expôs em Nova Iorque. 

Tira distribuida pela ECAB.

No Brasil, tem seus trabalhos distribuídos pela Editora Carneiro Bastos - ECAB.

Ultimamente o cartunista carioca vem dando um recado particular às criancas através do programa “A Turma do Lambe-Lambe”, apresentado pela Tv-Educativa do Rio de Janeiro. O programa também é transmitido em dez estados por meio de uma rede de emissoras. No fundo, Daniel Azulay é uma criança travestida num aduIto de trinta e um anos. O sucesso do seu programa junto ao público infantil, ele explica de uma maneira muito simples através da carta que recebeu recentemente de um telespectador mirim. Disse-lhe o remetente: “você não usa fantasia”.

— Eis aí o segredo da fácil comunicação, diz Azulay, e o detalhe está em não mistificar, bancar o super-herói. Não apelar para frases feitas, na concepção do cartunista, nós somos para as crianças o seu irmão mais velho ou simplesmente um amigo delas. Para elas, devemos ser sinceros, absolutamente sinceros . E quem tiver consciência disso — lembra Azulay — só vai se dar bem com as crianças.

Na realidade se não fosse a equipe de oito profissionais que ocupa toda uma cobertura em Ipanema, onde fica o seu estúdio cheio de parafernália, e onde há, inclusive, um mico, um papagaio e um “pub” inglês, Daniel Azulay não seria o que é para atender aos inúmeros clientes entre revistas, jornais, agências e agora a televisão. De fato na Turma do Lambe-Lambe é a própria roteirista, o produtor musical, os desenhistas, o laboratorista e o coordenador de estúdio, que ainda produzem com um certo espírito artesanal o programa, para manter viva a alegria da garotada no ar.

Revista Manchete, março de 1976.

Agradecimentos ao amigo João Antonio Buhrer pelas imagens.

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